O Hélder Ernesto
Na aldeia do Quimufuque a Conceição despontava - criança de 12 anos ganhava formas femininas, suscitando ao capitão comentários sobre cabaço e outras termos rituais. Quando lhe respondia que era apenas uma criança, ele corrigia-me dizendo que isso era na metrópole, ali as coisas aconteciam mais cedo e de forma diferente.
Tinha razão, e poucos meses depois a barriga da Conceição crescia mais do que o resto, provando que cabaço e infância já lá iam. Tive que perguntar à Conceição, que lânguida e timidamente me confessou: "foi o Hélder Erneeesto".
O Helder Ernesto era um dos elementos da milícia local, adulto de 15 ou 16 anos, e que, quando a Conceição se mudou para o Quitexe, ficou roído de saudades. Tão roído, que, um dia, pediu boleia ao pessoal do reabastecimento, e foi ao Quitexe.
Quem não gostou foi o capitão - ao saber que o Hélder Ernesto se ausentara da sanzala (proibido), levando a velharia a que chamava arma (proibidíssimo), chamou-o ao gabinete, e pregou-lhe uma violenta descasca.
O Hélder Ernesto suportou em sentido a reprimenda, de arma ao lado do corpo, e assim se manteve quando o ralhete se transformou numa sova de cavalo-marinho.
Foi tão dura a punição, que avancei para intervir, não sei, em consciência, se para fazer o capitão parar, se para o proteger da reacção do garoto, que, armado, estava a levar uma tareia muito para além do que eu entendia suportável.
Não foi necessário - o capitão parou, e o rapaz não reagiu. Ao sair, passou por mim, e disse entre dentes: "Quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga!"
Fiquei estarrecido pelo surpreendente desabafo, amarfanhado pela complexidade e emaranhado de contradições da situação: as limitações à circulação de pessoas na sua terra, os adolescentes em papel de adulto, a violência física como instrumento disciplinar, a subserviência de aceitar docilmente uma surra que até a mim me levou muito para lá da revolta... ná!
Não era fácil de entender aquela África.
Contado por Avelino Lopes
Tinha razão, e poucos meses depois a barriga da Conceição crescia mais do que o resto, provando que cabaço e infância já lá iam. Tive que perguntar à Conceição, que lânguida e timidamente me confessou: "foi o Hélder Erneeesto".
O Helder Ernesto era um dos elementos da milícia local, adulto de 15 ou 16 anos, e que, quando a Conceição se mudou para o Quitexe, ficou roído de saudades. Tão roído, que, um dia, pediu boleia ao pessoal do reabastecimento, e foi ao Quitexe.
Quem não gostou foi o capitão - ao saber que o Hélder Ernesto se ausentara da sanzala (proibido), levando a velharia a que chamava arma (proibidíssimo), chamou-o ao gabinete, e pregou-lhe uma violenta descasca.
O Hélder Ernesto suportou em sentido a reprimenda, de arma ao lado do corpo, e assim se manteve quando o ralhete se transformou numa sova de cavalo-marinho.
Foi tão dura a punição, que avancei para intervir, não sei, em consciência, se para fazer o capitão parar, se para o proteger da reacção do garoto, que, armado, estava a levar uma tareia muito para além do que eu entendia suportável.
Não foi necessário - o capitão parou, e o rapaz não reagiu. Ao sair, passou por mim, e disse entre dentes: "Quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga!"
Fiquei estarrecido pelo surpreendente desabafo, amarfanhado pela complexidade e emaranhado de contradições da situação: as limitações à circulação de pessoas na sua terra, os adolescentes em papel de adulto, a violência física como instrumento disciplinar, a subserviência de aceitar docilmente uma surra que até a mim me levou muito para lá da revolta... ná!
Não era fácil de entender aquela África.
Contado por Avelino Lopes