O Bicho com cornos
Estávamos no Lucunga, um rio "complicado", onde todo o cuidado era pouco. A zona era sensível, em termos de guerra, mas o rio não tinha crocodilos, nem outros perigos além dos humanos, pelo que, na pausa para descanso e refeição houve quem tomasse banho e quem se dedicasse... à pesca.
Era uma coisa que nos impressionava, a capacidade de sobrevivência no mato revelada pelos guias e carregadores indígenas, e a forma como, frequentemente, apanhavam nos rios pequenos peixes que depois grelhavam nos acampamentos.
Apercebemo-nos de que eles se limitavam a levar no bolso um pequeno anzol, com dois ou três metros de fio de nylon. Sempre que parávamos à beira de um rio, sacavam do anzol e do fio, com a catana reviravam um pouco da lama da margem do rio, facilmente apanhando uma minhoca que segundos depois estava a nadar na ponta do anzol, chamando os tais pequenos peixes, visíveis quando a água não era muito turva.
Era esse o caso do Lucunga, com águas muito límpidas chamando muitos ao banho e o Silva à pesca.
O Silva, soldado de transmissões, era um homem valente, que um ano depois quase se borrava de medo quando, avistando uma pacaça jovem lhe disparou; a pacaça investiu, e ele foi despejando o carregador e tremendo até ela se lhe "desmoronar" aos pés.
Bem, isso são outras histórias, e voltando à pesca, o Silva copiou todo o ritual dos indígenas, mas não tardou muito até o ouvirmos praguejar em altos berros. O silêncio era de ouro, em nome da segurança, e tive que ir saber o que se passava.
- Oh meu alferes, eu estou a tentar pescar, mas mal meto o anzol na água vem um bicho com cornos e rouba-me o isco.
Lá tentei descobrir o tal animal com cornos, o que não foi difícil - tratava-se de um lagostim, e quando lho expliquei, o entusiasmo foi geral, toda a gente esquecendo-se dos peixes e concentrando-se na missão de apanhar o lagostim.
Tudo foi infrutífero, e como, pelas tais razões de segurança, não autorizei o uso da "bomba atómica" (atirar uma granada ao lagostim), ele lá ficou, disponível para continuar a roubar iscos, e com a capacidade acrescida por muito treino a escapar de todas as artimanhas humanas.
(Narrativa de Avelino Lopes)
Era uma coisa que nos impressionava, a capacidade de sobrevivência no mato revelada pelos guias e carregadores indígenas, e a forma como, frequentemente, apanhavam nos rios pequenos peixes que depois grelhavam nos acampamentos.
Apercebemo-nos de que eles se limitavam a levar no bolso um pequeno anzol, com dois ou três metros de fio de nylon. Sempre que parávamos à beira de um rio, sacavam do anzol e do fio, com a catana reviravam um pouco da lama da margem do rio, facilmente apanhando uma minhoca que segundos depois estava a nadar na ponta do anzol, chamando os tais pequenos peixes, visíveis quando a água não era muito turva.
Era esse o caso do Lucunga, com águas muito límpidas chamando muitos ao banho e o Silva à pesca.
O Silva, soldado de transmissões, era um homem valente, que um ano depois quase se borrava de medo quando, avistando uma pacaça jovem lhe disparou; a pacaça investiu, e ele foi despejando o carregador e tremendo até ela se lhe "desmoronar" aos pés.
Bem, isso são outras histórias, e voltando à pesca, o Silva copiou todo o ritual dos indígenas, mas não tardou muito até o ouvirmos praguejar em altos berros. O silêncio era de ouro, em nome da segurança, e tive que ir saber o que se passava.
- Oh meu alferes, eu estou a tentar pescar, mas mal meto o anzol na água vem um bicho com cornos e rouba-me o isco.
Lá tentei descobrir o tal animal com cornos, o que não foi difícil - tratava-se de um lagostim, e quando lho expliquei, o entusiasmo foi geral, toda a gente esquecendo-se dos peixes e concentrando-se na missão de apanhar o lagostim.
Tudo foi infrutífero, e como, pelas tais razões de segurança, não autorizei o uso da "bomba atómica" (atirar uma granada ao lagostim), ele lá ficou, disponível para continuar a roubar iscos, e com a capacidade acrescida por muito treino a escapar de todas as artimanhas humanas.
(Narrativa de Avelino Lopes)