A água
Um dia, chegou a Quiximba um senhor de meia idade, careca e simpático, que se me apresentou como missionário, dizendo que estava ali para baptizar as crianças da aldeia. Tinha três dias, até a coluna regressar, e durante esse tempo iria dormir na capela, no extremo oposto da povoação, a 700 ou 800 metros do quartel, pelo que precisava de segurança.
Complicado!
O meu grupo era o único presente na unidade, pelo que, deslocar uma secção para a capela seria, não só um risco e desconforto para os deslocados, como uma quebra nas regras de segurança interna do quartel, que ficaria abaixo efectivo mínimo estipulado. Por outro lado, a ausência dos outros grupos representava... muitas camas vazias no quartel, pelo que optei por convidá-lo a permanecer na messe durante aquelas três noites.
Não sei se agradeceu mais a Deus ou a mim, mas era, obviamente, aquilo que ele mais ansiava, e não se fez rogado - abancou na messe, e durante três dias lá dormiu e comeu.
Comeu... e bebeu, e esse foi o primeiro problema!
Tínhamos grande dificuldade em comprar vinho, e incapaz de beber cerveja à refeição, eu fazia regularmente uma enorme ginástica para estender pelo mês a dotação de 6 garrafas a que tinha direito. Abancado comigo à mesa, o convite para se servir foi aceite com naturalidade, e, sem se aperceber da minha dor de alma, lá foi gastando uma dose semanal... por dia.
Mas esse foi o problema menor - o resto foi mais sério!
Primeiro apareceu-me a Idalina a pedir que fosse padrinho da Fatinha - achei natural e aceitei. Logo a seguir veio a irmã da Idalina, a pedir-me que o fosse também do filho, depois veio a tia da sobrinha, depois a amiga do compadre, e quando chegou às 15 crianças... assustei-me. Falei com um furriel que me anunciou que também já ia acima da dúzia, e vim a descobriri que isso era geral entre todo o pessoal, que já não estava a achar graça nenhuma à questão.
Na sessão seguinte à mesa, enquanto o vinho de mais uma semana fluía pela sacerdotal garganta, informei-o do que se passava, e do meu entendimento de que aquilo não fazia sentido, pois os militares daí a alguns meses voltariam a casa, e nunca mais veriam as crianças que, dentro do conceito religioso, deveriam acompanhar.
Concodou imediatamente comigo, e explicou-me que essa situação se devia ao facto de ele cobrar acho que 1$50 por baptizado, e ser a tropa o grande recurso financeiro da terra. Mas ele iria tratar do assunto, e não autorizava que os militares fossem padrinhos.
Assim aconteceu, e fomos todos dispensados.
No domingo, antes da chegada do MVL, foram baptizadas 26 das mil crianças da sanzala. Se prometerem não contar a ninguém, ainda digo que paguei 14 desses baptizados, mas não faço ideia nenhuma de quem foram os padrinhos e de quais foram as outras 12 crianças.
Ah!
E, talvez por bênção divina, sobrevivi à sede das três semanas seguintes.
Contado por Avelino Lopes
Complicado!
O meu grupo era o único presente na unidade, pelo que, deslocar uma secção para a capela seria, não só um risco e desconforto para os deslocados, como uma quebra nas regras de segurança interna do quartel, que ficaria abaixo efectivo mínimo estipulado. Por outro lado, a ausência dos outros grupos representava... muitas camas vazias no quartel, pelo que optei por convidá-lo a permanecer na messe durante aquelas três noites.
Não sei se agradeceu mais a Deus ou a mim, mas era, obviamente, aquilo que ele mais ansiava, e não se fez rogado - abancou na messe, e durante três dias lá dormiu e comeu.
Comeu... e bebeu, e esse foi o primeiro problema!
Tínhamos grande dificuldade em comprar vinho, e incapaz de beber cerveja à refeição, eu fazia regularmente uma enorme ginástica para estender pelo mês a dotação de 6 garrafas a que tinha direito. Abancado comigo à mesa, o convite para se servir foi aceite com naturalidade, e, sem se aperceber da minha dor de alma, lá foi gastando uma dose semanal... por dia.
Mas esse foi o problema menor - o resto foi mais sério!
Primeiro apareceu-me a Idalina a pedir que fosse padrinho da Fatinha - achei natural e aceitei. Logo a seguir veio a irmã da Idalina, a pedir-me que o fosse também do filho, depois veio a tia da sobrinha, depois a amiga do compadre, e quando chegou às 15 crianças... assustei-me. Falei com um furriel que me anunciou que também já ia acima da dúzia, e vim a descobriri que isso era geral entre todo o pessoal, que já não estava a achar graça nenhuma à questão.
Na sessão seguinte à mesa, enquanto o vinho de mais uma semana fluía pela sacerdotal garganta, informei-o do que se passava, e do meu entendimento de que aquilo não fazia sentido, pois os militares daí a alguns meses voltariam a casa, e nunca mais veriam as crianças que, dentro do conceito religioso, deveriam acompanhar.
Concodou imediatamente comigo, e explicou-me que essa situação se devia ao facto de ele cobrar acho que 1$50 por baptizado, e ser a tropa o grande recurso financeiro da terra. Mas ele iria tratar do assunto, e não autorizava que os militares fossem padrinhos.
Assim aconteceu, e fomos todos dispensados.
No domingo, antes da chegada do MVL, foram baptizadas 26 das mil crianças da sanzala. Se prometerem não contar a ninguém, ainda digo que paguei 14 desses baptizados, mas não faço ideia nenhuma de quem foram os padrinhos e de quais foram as outras 12 crianças.
Ah!
E, talvez por bênção divina, sobrevivi à sede das três semanas seguintes.
Contado por Avelino Lopes