Falar dos "nossos lugares da guerra" é descrever duas áreas do norte de Angola, e dos percursos que as ligavam a Luanda, a cidade onde tudo começava e acabava, entreposto de paz entre os riscos do mato e a segurança de casa.
Luanda era para alguns, apenas um nome a alguns quilómetros de Grafanil, o quartel onde se instalavam as unidades em trânsito, mas para outros, uma surpreendente imagem de progresso veloz, e de qualidade de vida que a maioria desconhecia.
Saía-se de Luanda por uma estrada asfaltada, passando a industrial zona do Cacuaco, e com trânsito livre atá ao Caxito. Aí nascia o ambiente de guerra, enquanto, nas madrugadas, se reuniam os veículos que iriam constituir a coluna escoltada por militares, que juntava o conhecido movimento de viatura logísticas (MVL) e todos os veículos particulares que necessitassem de se deslocar às zonas sensíveis do norte.
Qual lagarta motorizada, a longa fila de carros começava a estender-se na fita de asfalto, que ora parecia asfixiada pelo mato luxuriante, ora transmitia uma sensação de descompressão, quando flanqueava as fazendas de café, muitas abandonadas, até que a escolta da vanguarda chegava ao Úcua.
Primeira paragem para repouso e reorganização da coluna, com os carros mais carregados a tardarem longos minutos, num teste à paciência dos motoristas de carros ligeiros, a quem o risco de guerra obrigava a fazer num dia o que poderia ser percorrido em cerca de 3 horas.
Chegados os quartos traseiros, a cabeça da lagarta retomava o andamento, com etapas através do Píri e Quibaxe, donde se seguia para a Vista Alegre.
Começavam a aparecer imagens sugestivas de guerra, susceptíveis de impressionar os "maçaricos" - ruínas dispersas, a maior parte crivadas de balas.
Crescia a distância do oásis luandense, e com ela a tensão. A ponte sobre o rio Lucunga, a mais importante obra de engenharia do trajecto, parecia uma fronteira, tenazmente guardada por um grupo de soldados, garantindo a solidez duma linha de apoio ou retirada em caso de agudização do conflito.
Pouco depois, a Aldeia Viçosa, era o prmeiro bastião da nossa guerra, o ponto onde nos despedíamos do asfalto e do MVL, o ponto onde frequentemente regressávamos ao asfalto, para o reabastecimento no Quitexe, a sede do batalhão, e muito esporadicamente, para rumarmos ainda mais a norte.
O condicionamento de trânsito terminava no Quitexe, a partir de onde o trânsito era livre para Carmona (hoje Uíge), capital da província e comando da zona, ou ainda mais longe, até ao Negage, que se impunha pelo aeroporto e hospital.
O nosso domínio era Santa Isabel, uma fazenda de café a cerca de 15 Kms de Aldeia Viçosa, a que se chegava por uma picada que alternava lama e poeira, mas sempre facilmente transitada, à beira da qual renascia o Quimufuque.
Mais 10 Kms adiante, por uma picada mais manhosa, ficava "o papão", um tosco purgatório, à vista do "In", uma base tática a que chamávamos Vamba. Vamba era também o nome da serra onde nos encaixávamos, e da fazenda de café mais próxima.
Ainda mais remota era a localização da terceira companhia do batalhão, que ficou instalada em Zalala.
Ao fim de um ano rumámos ao Zaire.
Com armas e (poucas) bagagens fizemos o caminho inverso até ao Caxito, e sem cheirarmos sequer os arredores de Luanda, tomámos a outra estrada asfaltada que rumava a norte.
Ambriz e Musserra foram apenas terras de passagem, até à paragem em Ambrizete, que passou a ser a nova sede do batalhão. Os desterrados de Zalala tiveram a sorte grande da instalação também na cidade, a companhia de Aldeia Viçosa teve a terminação do Tomboco, e a nossa, para compensar o privilégio das lagostas que o comandante ia comer a Santa Isabel, foi desterrada para Quiximba.
Mas nem tudo era mau: para contrabalançar o desterro penal da Vamba, o nosso universo de um ano era completado pela colónia de férias rurais em Zau Évua.
Alguns se libertavam a espaço desse confinamento, quando eram chamados a cooperar na segurança do MVL. Aí, o mundo crescia, estendendo-se de Ambrizete a São Salvador do Congo, com passagem pelo Quiende, e contactos com pessoal doutros remotos paradeiros nunca visitados, que davam pelo nome de Lussenga, Lufico, Soyo, Quinzau, Xamindele e pouco mais.
Qual a história destas paragens, até ao perigoso isolamento que vivemos nos anos 70? Qual o seu futuro passado, neste quase meio século que já levamos de recuperada normalidade? O que é hoje este cantinho de África que partilhámos, e a que inapelavelmente ficámos ligados?
É com curiosidade que vamos vascular registos históricos e geográficos, que, na inviabilidade duma visita, nos poderão dar uma ideia do que foi, porque foi e como foi a Angola da nossa guerra, e o seu percurso, depois da nossa libertação.
Luanda era para alguns, apenas um nome a alguns quilómetros de Grafanil, o quartel onde se instalavam as unidades em trânsito, mas para outros, uma surpreendente imagem de progresso veloz, e de qualidade de vida que a maioria desconhecia.
Saía-se de Luanda por uma estrada asfaltada, passando a industrial zona do Cacuaco, e com trânsito livre atá ao Caxito. Aí nascia o ambiente de guerra, enquanto, nas madrugadas, se reuniam os veículos que iriam constituir a coluna escoltada por militares, que juntava o conhecido movimento de viatura logísticas (MVL) e todos os veículos particulares que necessitassem de se deslocar às zonas sensíveis do norte.
Qual lagarta motorizada, a longa fila de carros começava a estender-se na fita de asfalto, que ora parecia asfixiada pelo mato luxuriante, ora transmitia uma sensação de descompressão, quando flanqueava as fazendas de café, muitas abandonadas, até que a escolta da vanguarda chegava ao Úcua.
Primeira paragem para repouso e reorganização da coluna, com os carros mais carregados a tardarem longos minutos, num teste à paciência dos motoristas de carros ligeiros, a quem o risco de guerra obrigava a fazer num dia o que poderia ser percorrido em cerca de 3 horas.
Chegados os quartos traseiros, a cabeça da lagarta retomava o andamento, com etapas através do Píri e Quibaxe, donde se seguia para a Vista Alegre.
Começavam a aparecer imagens sugestivas de guerra, susceptíveis de impressionar os "maçaricos" - ruínas dispersas, a maior parte crivadas de balas.
Crescia a distância do oásis luandense, e com ela a tensão. A ponte sobre o rio Lucunga, a mais importante obra de engenharia do trajecto, parecia uma fronteira, tenazmente guardada por um grupo de soldados, garantindo a solidez duma linha de apoio ou retirada em caso de agudização do conflito.
Pouco depois, a Aldeia Viçosa, era o prmeiro bastião da nossa guerra, o ponto onde nos despedíamos do asfalto e do MVL, o ponto onde frequentemente regressávamos ao asfalto, para o reabastecimento no Quitexe, a sede do batalhão, e muito esporadicamente, para rumarmos ainda mais a norte.
O condicionamento de trânsito terminava no Quitexe, a partir de onde o trânsito era livre para Carmona (hoje Uíge), capital da província e comando da zona, ou ainda mais longe, até ao Negage, que se impunha pelo aeroporto e hospital.
O nosso domínio era Santa Isabel, uma fazenda de café a cerca de 15 Kms de Aldeia Viçosa, a que se chegava por uma picada que alternava lama e poeira, mas sempre facilmente transitada, à beira da qual renascia o Quimufuque.
Mais 10 Kms adiante, por uma picada mais manhosa, ficava "o papão", um tosco purgatório, à vista do "In", uma base tática a que chamávamos Vamba. Vamba era também o nome da serra onde nos encaixávamos, e da fazenda de café mais próxima.
Ainda mais remota era a localização da terceira companhia do batalhão, que ficou instalada em Zalala.
Ao fim de um ano rumámos ao Zaire.
Com armas e (poucas) bagagens fizemos o caminho inverso até ao Caxito, e sem cheirarmos sequer os arredores de Luanda, tomámos a outra estrada asfaltada que rumava a norte.
Ambriz e Musserra foram apenas terras de passagem, até à paragem em Ambrizete, que passou a ser a nova sede do batalhão. Os desterrados de Zalala tiveram a sorte grande da instalação também na cidade, a companhia de Aldeia Viçosa teve a terminação do Tomboco, e a nossa, para compensar o privilégio das lagostas que o comandante ia comer a Santa Isabel, foi desterrada para Quiximba.
Mas nem tudo era mau: para contrabalançar o desterro penal da Vamba, o nosso universo de um ano era completado pela colónia de férias rurais em Zau Évua.
Alguns se libertavam a espaço desse confinamento, quando eram chamados a cooperar na segurança do MVL. Aí, o mundo crescia, estendendo-se de Ambrizete a São Salvador do Congo, com passagem pelo Quiende, e contactos com pessoal doutros remotos paradeiros nunca visitados, que davam pelo nome de Lussenga, Lufico, Soyo, Quinzau, Xamindele e pouco mais.
Qual a história destas paragens, até ao perigoso isolamento que vivemos nos anos 70? Qual o seu futuro passado, neste quase meio século que já levamos de recuperada normalidade? O que é hoje este cantinho de África que partilhámos, e a que inapelavelmente ficámos ligados?
É com curiosidade que vamos vascular registos históricos e geográficos, que, na inviabilidade duma visita, nos poderão dar uma ideia do que foi, porque foi e como foi a Angola da nossa guerra, e o seu percurso, depois da nossa libertação.