Zaire
Foram poucas as localidades do Zaire que nos deixaram recordações, desde logo porque poucas foram as visitadas. O comando do sector situava-se na capital, S. Salvador do Congo, hoje Mbanza Kongo, mas só alguns de nós lá pusemos os pés.
Ambriz e Musserra foram apenas locais de passagem, Lufico visita de alguns de serviço ao MVL, Quiende uma presença constante mas distante em Zau Évua, apenas Ambrizete e Tomboco foram um pouco mais presentes. Soyo, Lussenga, Noqui, apenas nomes no caminho de muitos com que nos cruzámos, que não os nossos. |
Ambriz
Todos nós passámos pelo Ambriz, e, provavelmente, nenhum de nós lá parou. Imperativos de guerra, pois o Ambriz é zona de alguma beleza, e com um razoável historial, traduzido em diverso património. Há uma questão curiosa - Porquê Ambriz?
Entre os diversos grupos étnicos que se distribuíam por Angola não havia escrita desenvolvida. Acidentalmente recorriam a uma escrita ideográfica, mas a comunicação era sobretudo verbal.
A passagem a escrito dos termos e designações usados pelos nativos, foi sendo feita pelos colonos, adaptando à respectiva língua e grafia, aquilo que iam ouvindo, e porque vários povos disputaram o território, várias grafias se apresentaram em concorrência. A descolonização levou ao desaparecimento da nomenclatura portuguesa, muita dela celebrando portugueses que se evidenciaram no domínio dos povos locais, e, portanto, naturalmente condenada a desaparecer, mas também à alteração da grafia usada em muitos termos portugueses, que respeitavam as designações nativas. |
Ambriz não teve essa sorte, e mantém hoje exactamente o mesmo nome, o que, no cenário geral justifica alguma estranheza.
A palavra era usada pelos nativos para identificar a região, a povoação e o rio, todos com o mesmo nome. A pronúncia local, nessa como noutras palavras, nasala a consoante inicial, de tal forma que, esquecendo regras ortográficas, poderia ser traduzida pela escrita ao lado.
Portugueses poderiam ter optado por Ambriz ou Umbriz (mais próximo da sonoridade real), e optaram pela primeira. Já os ingleses escreveram M'Brige, e esse termo passou a ser colado ao rio, mesmo pelos portugueses. Reconhecendo a origem inglesa da escrita, alguns passaram a redigir M'Bridge, e até M'Bridege. |
Depois de ter sido uma famosa coutada de caça, o Ambriz pode vir a tornar-se um dos trunfos de Angola, logo que se atreva a explorar o filão do turismo. Uma longa costa, polvilhada de praias, rios e lagoas alegrando a paisagem, caça e pesca com alguma abundância, proximidade de Luanda, são tudo trunfos a capitalizar.
Fica a incógnita sobre o tratamento dado à vertente histórica. O que terá sobrevivido à guerra civil? Haverá vontade e condições para recuperar e preservar o que pode ser salvo? São questões pertinentes que connosco pouco ou nada mexem, dado que para todos nós o Ambriz é um desconhecido de que todos estivemos apenas próximos. |
Ambrizete
Ambrizete é, pelo contrário, uma localidade bem presente nas nossas memórias, um pouco pelos raros momentos felizes que lá passámos, muito pela inveja dos felizardos que depois de penarem em Zalala foram recompensados com um ano de praia, enquanto nós éramos recambiados para os confins do inóspito interior. Como nasceu Ambrizete?
No início da colonização havia já um aldeamento no local, com a genérica designação de Mbrige, como quer que se escreva. Os colonos que se instalaram na zona do Mbrige a que chamaram Ambriz, fizeram deslocar para lá alguns nativos, que passaram a referir o seu Ambriz de origem como "a nossa casa" no dialecto local Nzeto. Havia, assim, o Ambriz onde trabalhavam, e o Ambriz Nzeto donde eram originários.
Não é assim, difícil perceber a evolução para Ambrizete. Bom, e nós? Nós... tínhamos lá a sede do Batalhão... e pronto. À excepção do Cunha, um cabo do quarto grupo que, por ser do recrutamento local o capitão pôs a fazer o abastecimento de peixe, e passava a vida para cima e para baixo no MVL, raramente lá foi mais algum de nós. |
Se no Quitexe o contacto com o comando do batalhão era frequente, facilitado pela distância de apenas uma trintena de quilómetros, aqui o caso mudava de figura, pois os mais de 100 km para Quiximba tornaram esses contactos muito mais esporádicos.
Viemos embora, mas a evolução linguística não parou, e hoje Ambrizete aparece referida como N'Zeto.
Conhecendo a história percebe-se porquê, mas não deixa de ser estranho: era natural e inevitável que os angolanos corrigissem a ingerência dos portugueses, que durante séculos ignoraram muitas designações nativas, substituindo-as por nomes portugueses, geralmente vultos de relevo na colonização. Contudo, Ambrizete tem uma clara etimologia nativa, e a sua evolução é normal na língua portuguesa, que independentemente de complexos e revanches, continua a ser a língua oficial de Angola, e um dos mais fortes traços de união entre os povos angolanos. Ao abandonar o nome de Ambrizete, não estão a apagar a história dos colonizadores, estão a apagar a sua própria história durante a colonização.
O que é hoje Ambrizete ou N'Zeto?
Uma povoação que parece recuperar bem de 30 anos de guerra, e onde ainda parecem manter-se os ícones do nosso tempo - Brinca na Areia, Flor do Paiva...
A Bcaç 2877, que nos antecedeu dois anos na zona, mantém contactos em Ambrizete, e tem uma página interesssante, com fotos antigas (uma nossa, de Zau Évua) e recentes, que pode ser consultada http://bcac2877.blogspot.pt/
Quem quer lá voltar?
Viemos embora, mas a evolução linguística não parou, e hoje Ambrizete aparece referida como N'Zeto.
Conhecendo a história percebe-se porquê, mas não deixa de ser estranho: era natural e inevitável que os angolanos corrigissem a ingerência dos portugueses, que durante séculos ignoraram muitas designações nativas, substituindo-as por nomes portugueses, geralmente vultos de relevo na colonização. Contudo, Ambrizete tem uma clara etimologia nativa, e a sua evolução é normal na língua portuguesa, que independentemente de complexos e revanches, continua a ser a língua oficial de Angola, e um dos mais fortes traços de união entre os povos angolanos. Ao abandonar o nome de Ambrizete, não estão a apagar a história dos colonizadores, estão a apagar a sua própria história durante a colonização.
O que é hoje Ambrizete ou N'Zeto?
Uma povoação que parece recuperar bem de 30 anos de guerra, e onde ainda parecem manter-se os ícones do nosso tempo - Brinca na Areia, Flor do Paiva...
A Bcaç 2877, que nos antecedeu dois anos na zona, mantém contactos em Ambrizete, e tem uma página interesssante, com fotos antigas (uma nossa, de Zau Évua) e recentes, que pode ser consultada http://bcac2877.blogspot.pt/
Quem quer lá voltar?
Tomboco
Falar do Tomboco é falar das nossas incursões às margens do M'Brige, e dos longos dias a calcorrear as suaves mas inóspitas encostas circundantes. É falar de caça e do feijão maluco, dos sustos e das histórias que noutro local se contam. O que dizer da povoação?
Foi em 1935 que alguns missionários decidiram a construção de uma missão, e, não lhes agradando Ambrizete, avançaram para o Tomboco.
Ali se mantiveram ensinando e cristianizando, a partir de 1954 com a ajuda das freiras da congregação de S. José de Cluny, Em 1961 a actividade da missão foi interrompida pela guerra, e o grande complexo da missão serviu para a instalação das nossas tropas, (no nosso caso da companhia 3533), ficando o acompanhamento religioso a cargo dos capelães militares Para muitos de nós, o Tomboco "foi" apenas a missão, com pouco ou nenhum contacto com a população civil |
Com a independência, retomou-se a actividade da missão, desde 1980 entregue aos Missionários do Verbo Divino. Nas mesmas instalações? Talvez, e talvez isso as tenha ajudado a sobreviver à guerra civil
São Salvador do Zaire e outras
Nascida Mbanza Congo, a capital do Zaire foi um dos primeiros locais da intervenção da colonização portuguesa, que a baptizaram São Salvador do Congo. Era a capital do Reino do Congo, a mais desenvolvida e organizada população da África subsariana. No dia 3 de Maio de 1492, Ne Nvemba Nzinga, rei do Congo, foi baptizado, recebendo o nome de Afonso I, e colaborou activamente na cristianização do seu povo, e na adaptação aos princípios europeus.
Era uma pequena cidade desinteressante, durante a guerra, mas está actualmente a adquirir algum relevo, fruto da recuperação histórica.
Candidata a património mundial da UNESCO, decorre actividade arqueológica de recuperação de elementos do século XV. Já com sinais de recuperação, a primeira igreja construída em África a sul do Sahara, em 1491, localmente designada por Kulumbimbi é o ex-libris da cidade. Com forte impacto no imaginário local, está também preservada uma árvore centenária, alegadamente anterior à chegada dos portugueses. Sem ironia, e face à devastação dos últimos decénios, é caso para celebrar duplamente a árvore - sobreviveu à passagem dos portugueses, e, mais difícil ainda, à sua saída. |
O esforço cultural dos angolanos para reescreverem a sua história, já começa a disponibilizar alguma informação sobre a cidade, pelo menos nos seus tempos mais remotos. da qual destaco "Mbanza Kongo". Quanto aos tempos mais recentes, vamos continuar a deixar a água correr debaixo das pontes...