Os ratos
Os ratos faziam parte da animação na Vamba. Grandes e pequenos, presentes em todo o lado, proporcionavam grandes correrias, animadas caçadas, e algum espectáculo.
Tive, no entanto, que proibir o “fogo-de-artifício”.
Alguns mais imaginativos tratavam de caçar ratos vivos que, de seguida regavam com combustível, e largavam depois de lhes pegar fogo. Não me lembro se havia apostas sobre a distância que o rato conseguia correr em chamas, mas lembro-me da preocupação que era quando o instinto do rato o levava a fugir para debaixo das barracas de madeira. Nunca houve incêndios, mas a proibição era prudentemente inevitável.
Havia o MEU rato. Um ratito pequeno, que não se deixava apanhar, e que, todas as noites dava umas voltinhas na minha barraca – subia para uma divisória que separava a zona de dormir da de comer, chegando à ponta da divisória calculava o salto, aterrando na mesa, donde descia rapidamente antes que a bota ou chinelo lá chegasse. Noites a fio, o circuito repetia-se. Até que, um dia, aconteceu a cena do café.
Durante a noite, fazia-se café, que era distribuído pelo pessoal de reforço. Quando viam a minha luz acesa (eu lia muitas vezes até de madrugada), alguns soldados vinham-me oferecer o café, que sabia bem, mas…
O café era uma coisa deslavada, tipo café da avó, para pior, nada de parecido com as excelentes bicas que bebíamos em Santa Isabel. Naturalmente – no quartel dispúnhamos do excelente lote do fazendeiro, tirado de uma máquina expresso; na Vamba era a mistela oficial da tropa, feita na cafeteira.
No entanto, eu pensava que mesmo daquele lote ordinário se podia fazer melhor, e, uma noite, desafiei o Duarte a fazer um café mais forte, pondo-lhe menos água.
- Meu alferes, já sei o que quer, amanhã vai ter um café a preceito.
E no dia seguinte lá apareceu o Duarte com… um senhor café. Era tão espesso, que a colher quase se aguentava em pé, no meio de tanta borra. Bem, como tinha sido ideia minha, para não dar parte de fraco, lá emborquei uns goles… daquilo!
O que eu fui fazer!
Fiquei eléctrico. Deitava-me, e tinha espasmos, saltava incapaz de estar deitado.
Acabei por gastar a noite acordado, em disputa com o rato: colocava um prato de alumínio na mesa, no local de aterragem, na tentativa de que, caindo na borda do prato o emborcasse e ficasse lá debaixo.
Várias vezes acertou no prato, mas nunca o emborcou. Apesar de tudo, não gostou do obstáculo, acabou por abandonar o circuito e nunca mais o vi.
Naturalmente que, no dia seguinte, ainda em brasa, aconselhei o Duarte a não repetir a experiência, antes que não fossem só os ratos a pegar fogo.
(Narrativa de Avelino Lopes)