O campo de futebol
O futebol era uma actividade indispensável, onde... possível. Em Santa Isabel o centro da fazenda estava dividido em grandes tabuleiros pavimentados para a seca do café, e nos muitos meses em que estavam disponíveis serviam para o desporto - futebol, claro, mas até ténis lá jogámos.
A mudança para Quiximba acabou com várias mordomias, mas melhorou as condições desportivas - havia um razoável campo de futebol, e um nunca usado campo de voleibol. Essa melhoria, no entanto, foi pouco eficaz, pois as dimensões do campo de futebol exigiam muita gente, não necessariamente 11 de cada lado como é da praxe, mas quase sempre mais do que o número daqueles que as condições do serviço libertavam.
Havia, por isso, alguma saudade dos jogos a três, quatro, ou cinco, de Santa Isabel, pelo que dei por mim a matutar na forma de transformar o inútil campo de vólei num campo de futebol de salão.
O mais complicado eram as tabelas, mas isso começou a ser ultrapassado quando um madeireiro do Tomboco a quem fazíamos protecção, se dispôs a fornecê-las a preço especial.
O corrimão e os prumos era (e foi) fácil: fomos a um local distante cerca de 5 quilómetros (onde, meses mais tarde, uma emboscada matou cinco soldados duma companhia vizinha) e cortámos uns bambus, com a grossura ideal para o efeito, que dividimos e chumbámos ao chão a distância regular, com outros atravessados por cima como corrimão, e as tabelas pregadas junto ao chão.
A outra grande dificuldade seria a regularização do solo, dado que o campo de volei ocupava menos de metade da área que iríamos usar.
A Junta Autónoma das Estradas de Angola (JAEA), aparecia com regularidade, e com máquinas que pareciam máquinas de barbear gigantes regularizavam a estrada de terra batida. Como os acompanhávamos, em operação de segurança, pedi ao homem da JAEA que nos fizesse o serviço.
"Desculpe lá, senhor alferes, mas não posso... as lâminas são caras, partem-se com facilidade, e podia ter problemas disciplinares."
Tinha razão, que não me custou reconhecer, mas...
Perguntei ao Quinteira, furriel mecânico, se a Berliet não poderia avariar, e o Quinteira, percebendo imediatamente a ideia não hesitou - Já "estava" avariada.
Dei então ordem aos furriéis para ninguém se apresentar no dia seguinte para escoltar a JAEA.
Seis da manhã do tal dia seguinte, e o homem da JAEA a buzinar impacientemente à porta de armas.
Saí, de pijama, e lá fui explicar-lhe, muito pesaroso, que não poderíamos escoltá-lo naquele dia porque a Berliet tinha avariado, e era proibido sair sem rebenta-minas.
"Oh, senhor alferes, o senhor sabe que aqui não há minas nenhumas, aliás, se isso fôr problema, eu vou à frente e funciono como rebenta-minas".
"Pois sim, podia ser, mas o senhor sabe que eu cumpro regras apertadas, e se houvesse algum incidente, consigo ou com o meu pessoal, podia ter problemas disciplinares"
O homem pensou um instante, e concluiu:
"Pronto, senhor alferes, chame lá o pessoal que à vinda eu faço-lhes o campo."
E fez!
(Narrativa de Avelino Lopes)
A mudança para Quiximba acabou com várias mordomias, mas melhorou as condições desportivas - havia um razoável campo de futebol, e um nunca usado campo de voleibol. Essa melhoria, no entanto, foi pouco eficaz, pois as dimensões do campo de futebol exigiam muita gente, não necessariamente 11 de cada lado como é da praxe, mas quase sempre mais do que o número daqueles que as condições do serviço libertavam.
Havia, por isso, alguma saudade dos jogos a três, quatro, ou cinco, de Santa Isabel, pelo que dei por mim a matutar na forma de transformar o inútil campo de vólei num campo de futebol de salão.
O mais complicado eram as tabelas, mas isso começou a ser ultrapassado quando um madeireiro do Tomboco a quem fazíamos protecção, se dispôs a fornecê-las a preço especial.
O corrimão e os prumos era (e foi) fácil: fomos a um local distante cerca de 5 quilómetros (onde, meses mais tarde, uma emboscada matou cinco soldados duma companhia vizinha) e cortámos uns bambus, com a grossura ideal para o efeito, que dividimos e chumbámos ao chão a distância regular, com outros atravessados por cima como corrimão, e as tabelas pregadas junto ao chão.
A outra grande dificuldade seria a regularização do solo, dado que o campo de volei ocupava menos de metade da área que iríamos usar.
A Junta Autónoma das Estradas de Angola (JAEA), aparecia com regularidade, e com máquinas que pareciam máquinas de barbear gigantes regularizavam a estrada de terra batida. Como os acompanhávamos, em operação de segurança, pedi ao homem da JAEA que nos fizesse o serviço.
"Desculpe lá, senhor alferes, mas não posso... as lâminas são caras, partem-se com facilidade, e podia ter problemas disciplinares."
Tinha razão, que não me custou reconhecer, mas...
Perguntei ao Quinteira, furriel mecânico, se a Berliet não poderia avariar, e o Quinteira, percebendo imediatamente a ideia não hesitou - Já "estava" avariada.
Dei então ordem aos furriéis para ninguém se apresentar no dia seguinte para escoltar a JAEA.
Seis da manhã do tal dia seguinte, e o homem da JAEA a buzinar impacientemente à porta de armas.
Saí, de pijama, e lá fui explicar-lhe, muito pesaroso, que não poderíamos escoltá-lo naquele dia porque a Berliet tinha avariado, e era proibido sair sem rebenta-minas.
"Oh, senhor alferes, o senhor sabe que aqui não há minas nenhumas, aliás, se isso fôr problema, eu vou à frente e funciono como rebenta-minas".
"Pois sim, podia ser, mas o senhor sabe que eu cumpro regras apertadas, e se houvesse algum incidente, consigo ou com o meu pessoal, podia ter problemas disciplinares"
O homem pensou um instante, e concluiu:
"Pronto, senhor alferes, chame lá o pessoal que à vinda eu faço-lhes o campo."
E fez!
(Narrativa de Avelino Lopes)