Feijão
Não é possível contar histórias de guerra sem, a dado momento, falar de feijão. No nosso caso tivemos a felicidade de passar ao lado do sofrimento daqueles que, colocados em lugares remotos e de difícil reabastecimento, forem frequentemente confrontados com refeições de arroz com feijão. Mas o feijão é tão rico, e tão omnipresente, que também nos proporcionou momentos interessantes.
Acredito que na Vive Vence não haja muita simpatia pelo termo “feijão” pois, embora ele tenha sido sempre usado entre nós da forma mais correcta (e talvez por causa disso…), quando entre nós se fala em feijão, geralmente pensa-se no “maluco”.
Em rigor, a planta chama-se Mucuna pruriens, e o nome corrente em português, embora seja nativa de África, América do Sul e Ásia, é feijão-da-flórida.
Então “maluco” por quê?
Porque embora de aparência comum, as vagens deste feijoeiro (por vezes de grande porte, podendo chegar aos 20 metros), quando agitadas, libertam uns micro estiletes que, em contacto com a pele, provocam uma irritação de enlouquecer, e que cresce com o coçar, que acentua a penetração desses microscópicos espinhos.
O simples deslocar do ar pela passagem das viaturas gerava nuvens ameaçadoras, de que o pessoal se tentava proteger enrolando-se nos ponchos. Uma pancada duma viatura num feijoeiro, era o fim do mundo.
Quando a infestação se revelava insuportável, alguns optavam por se despir, esperando que a deslocação do ar acabasse por soltar esses espinhos e aliviar a coceira.
Em Moçambique chamaram-lhe feijão-macaco, mas a simpatia era a mesma.
Acredito que na Vive Vence não haja muita simpatia pelo termo “feijão” pois, embora ele tenha sido sempre usado entre nós da forma mais correcta (e talvez por causa disso…), quando entre nós se fala em feijão, geralmente pensa-se no “maluco”.
Em rigor, a planta chama-se Mucuna pruriens, e o nome corrente em português, embora seja nativa de África, América do Sul e Ásia, é feijão-da-flórida.
Então “maluco” por quê?
Porque embora de aparência comum, as vagens deste feijoeiro (por vezes de grande porte, podendo chegar aos 20 metros), quando agitadas, libertam uns micro estiletes que, em contacto com a pele, provocam uma irritação de enlouquecer, e que cresce com o coçar, que acentua a penetração desses microscópicos espinhos.
O simples deslocar do ar pela passagem das viaturas gerava nuvens ameaçadoras, de que o pessoal se tentava proteger enrolando-se nos ponchos. Uma pancada duma viatura num feijoeiro, era o fim do mundo.
Quando a infestação se revelava insuportável, alguns optavam por se despir, esperando que a deslocação do ar acabasse por soltar esses espinhos e aliviar a coceira.
Em Moçambique chamaram-lhe feijão-macaco, mas a simpatia era a mesma.
Apesar do ódio que concitou entre os militares, o malvado feijão até tem coisa boas.
Libertos da casca da vagem (onde as pilosidades provocadoras de comichão contém serotonina), os feijões até são comestíveis, sendo populares na dieta Indonésia. No resto do mundo são usados para produzir complementos alimentares, com comprovados efeitos no tratamento da doença de Parkinson, e mais ligeiramente na melhoria da produção de espermatozóides. |
A dopamina que contém é um estimulante (aliás, como convém a um feijão que se preze). Também parece ter excelente efeito no tratamento de picadas venenosas de cobras.
O feijão com juízo foi um excelente recurso, e, excepção a um percalço em Zau Évoa, quando o furriel que fazia de vagomestre se enganou e mandou um chouriço em mau estado fazer-lhe companhia na feijoada, sempre caiu bem entre todos.
Que me lembre, só não terá caído muito bem ainda em Mafra, quando já oficial e ainda não fazendo ideia para onde me mandariam, me desloquei à messe de oficiais para almoçar.
Era dobrada com feijão branco, e o fedor logo à porta, denunciava automaticamente que alguém se esquecera do pequeníssimo pormenor de lavar a dobrada antes de a cozinhar.
O arroz branco que era previsto acompanhar a feijoada não tinha culpa nenhuma, e foi o meu almoço, com dois ovos que os regulamentos nos permitiam comprar.
Só um militar comeu a dobrada – o comandante. E como não houve levantamento de rancho, porque alguém comeu, dispensaram-se burocracias e actuação disciplinar (pelo menos oficialmente).
Mas o feijão branco em Angola era muito mais rico.
Feijão branco era na gíria, o eufemismo de diamantes.
Muitas fortunas e tragédias nasceram em torno do “feijão branco”, mas o sonho de todos era ter um dia a sorte de passar ao lado dum feijoeiro desses.
Lembro-me duma história interessante em Luanda. Uma amiga minha (que um dia me confidenciou que o pai andava apreensivo porque o vizinho do lado tinha comprado um quinto carro e ele não tinha lugar para mais nenhum na garagem), contou-me que o pai tinha ido a Lisboa ao dentista.
Estranhei – havia dentistas em Luanda, e a viagem a Lisboa, mesmo para quem colecionava carros e luxos custava bastante dinheiro.
Explicou-me então que o pai tinha uma prótese dentária com porta-bagagens, e que a viagem a Lisboa até dava lucro.
O feijão com juízo foi um excelente recurso, e, excepção a um percalço em Zau Évoa, quando o furriel que fazia de vagomestre se enganou e mandou um chouriço em mau estado fazer-lhe companhia na feijoada, sempre caiu bem entre todos.
Que me lembre, só não terá caído muito bem ainda em Mafra, quando já oficial e ainda não fazendo ideia para onde me mandariam, me desloquei à messe de oficiais para almoçar.
Era dobrada com feijão branco, e o fedor logo à porta, denunciava automaticamente que alguém se esquecera do pequeníssimo pormenor de lavar a dobrada antes de a cozinhar.
O arroz branco que era previsto acompanhar a feijoada não tinha culpa nenhuma, e foi o meu almoço, com dois ovos que os regulamentos nos permitiam comprar.
Só um militar comeu a dobrada – o comandante. E como não houve levantamento de rancho, porque alguém comeu, dispensaram-se burocracias e actuação disciplinar (pelo menos oficialmente).
Mas o feijão branco em Angola era muito mais rico.
Feijão branco era na gíria, o eufemismo de diamantes.
Muitas fortunas e tragédias nasceram em torno do “feijão branco”, mas o sonho de todos era ter um dia a sorte de passar ao lado dum feijoeiro desses.
Lembro-me duma história interessante em Luanda. Uma amiga minha (que um dia me confidenciou que o pai andava apreensivo porque o vizinho do lado tinha comprado um quinto carro e ele não tinha lugar para mais nenhum na garagem), contou-me que o pai tinha ido a Lisboa ao dentista.
Estranhei – havia dentistas em Luanda, e a viagem a Lisboa, mesmo para quem colecionava carros e luxos custava bastante dinheiro.
Explicou-me então que o pai tinha uma prótese dentária com porta-bagagens, e que a viagem a Lisboa até dava lucro.
Um dia, ao sair da fazenda Vamba, fui abordado por um indígena da sanzala local, que discretamente abriu a mão, e me mostrou quatro ou cinco pedrinhas minúsculas e brilhantes. Brilhantes ficaram também os olhos dos militares mais próximos, e que de imediato nos rodearam curiosos. Só que, eu sabia da mineralogia, que o diamante cristaliza no sistema cúbico, e aquelas bonitas pedrinhas se dividiam entre o trigonal e o hexagonal. |
Até poderia ter comprado os cristais, que eram mesmo bonitos, mas nunca por aquilo que o homem julgava valerem, pelo que não corri o risco de ele me chamar vigarista, e, no meu melhor português, que lhe deve ter soado entre o chinês e o marciano, expliquei-lhe que se tratava de cristais de quartzo, bonitos, mas duma pedra vulgar e sem valor comercial.
Também houve o dia em que o André foi de férias. Natural de Malange, zona de muitos feijoeiros, lembrei-o antes de partir que, se encontrasse alguma vagem a trouxesse, pois podia fazer bom dinheiro com ela. Voltou pesaroso, dizendo que a horta do feijão estava super vigiada, e que era quase impossível alguém sair com um feijão, quanto mais uma vagem. |
Doutra vez, ia eu a passar atrás da residência em Santa Isabel, quando da porta de acesso ao escritório da fazenda, me chegaram sons ritmados, que pareciam chicotadas. Abeirei-me, e, vi lá dentro, o gerente, de cavalo-marinho em punho, a zurzir o enfermeiro da sanzala.
Parou mal me viu, pediu-me desculpa, e fez sinal ao homem que saísse.
Passou rapidamente por mim, em silêncio e de olhos em baixo, e lá segui também sem dizer nada.
Minutos mais tarde, já em casa, o gerente voltou a pedir-me desculpa com um desabafo do género “estes tipos fazem perder a cabeça ao mais calmo”, e o assunto ficou encerrado.
Não ficou. No dia imediato o enfermeiro esperou-me discretamente, agradeceu a intervenção, e confidenciou-me que o irmão, que era camionista, vinha no MVL seguinte, regressando da África do Sul, e trazia uma garrafa de Cuca com feijão para o gerente. Dado o incidente, a garrafa seria para mim, se o quisesse.
Falei com o capitão, que ficou de olhos em alvo, e esperámos o dia do MVL.
Madrugada bem cedo, o gerente pegou no Land Rover a largou para Aldeia Viçosa, sem qualquer protecção ou escolta, que viria a sair à hora habitual.
Não precisei das acabrunhadas explicações do enfermeiro para adivinhar quem é que, entre Aldeia Viçosa e Santa Isabel, acabou por beber a Cuca de feijão branco.
Contado por Avelino Lopes
Parou mal me viu, pediu-me desculpa, e fez sinal ao homem que saísse.
Passou rapidamente por mim, em silêncio e de olhos em baixo, e lá segui também sem dizer nada.
Minutos mais tarde, já em casa, o gerente voltou a pedir-me desculpa com um desabafo do género “estes tipos fazem perder a cabeça ao mais calmo”, e o assunto ficou encerrado.
Não ficou. No dia imediato o enfermeiro esperou-me discretamente, agradeceu a intervenção, e confidenciou-me que o irmão, que era camionista, vinha no MVL seguinte, regressando da África do Sul, e trazia uma garrafa de Cuca com feijão para o gerente. Dado o incidente, a garrafa seria para mim, se o quisesse.
Falei com o capitão, que ficou de olhos em alvo, e esperámos o dia do MVL.
Madrugada bem cedo, o gerente pegou no Land Rover a largou para Aldeia Viçosa, sem qualquer protecção ou escolta, que viria a sair à hora habitual.
Não precisei das acabrunhadas explicações do enfermeiro para adivinhar quem é que, entre Aldeia Viçosa e Santa Isabel, acabou por beber a Cuca de feijão branco.
Contado por Avelino Lopes