O bridge
As relações entre chefias da nossa companhia e do batalhão (CCS incluída) nunca foram muito intensas nem cordiais, restringindo-se a pouco mais que o indispensável imposto pelo serviço. Para esse distanciamento muito contribuiu um conflito permanente entre o capitão e a sede do batalhão, com origem num importantíssimo detalhe logístico – whisky.
Havia uma forte contingentação, com uma pequena quantidade para a messe de oficiais, e cada oficial com direito a comprar apenas uma ou duas garrafas por mês.
Nunca houve grandes carências entre nós, pois só o capitão e eu bebíamos com regularidade, no meu caso sempre uma pequena quantidade de whisky para um copo cheio de soda (o que me terá valido escapar incólume à comum experiência do paludismo), o capitão um pouco (muito) menos diluído, mas sempre de molde a chegar para convidar quem nos visitasse, sem grandes restrições.
Era essa hospitalidade que o capitão esperava na sede do batalhão, e nunca encontrava. No bar, alinhavam-se as garrafas, propriedade individual de cada oficial, e nem eles se lembravam de convidar fosse quem fosse, nem os militares de serviço se atreviam a servir bebida particular sem ordem do dono.
Decidiu então o capitão, sempre que tinha de ir ao batalhão, levar a sua garrafa pessoal, que exibia ostensivamente no bar, tentando ofender alguém, sem sucesso, o que o irritava supinamente.
Resultava desse conflito uma política que restringia ao mínimo indispensável todos os nossos contactos com o comando.
Mas eu fui pessoalmente incitado a lá ir frequentemente, e tive alguma dificuldade em fugir algumas vezes. A história chama-se… “Bridge”.
O comandante de batalhão, então tenente-coronel Trindade Lima, era fanático desse excelente jogo de cartas, mas, para sua infelicidade, mais ninguém no batalhão sabia jogar.
Para poder fazer uma mesa, ensinou três oficiais – o capitão da Ccaç 3533, então em Aldeia Viçosa, e dois alferes, um deles médico.
Cheguei no MVL a Aldeia Viçosa e fui recolhido pelo nosso pessoal, rumando a Santa Isabel, onde, durante algumas semanas me fui integrando, sem qualquer contacto com as chefias superiores.
Um dia, o comandante anunciou uma rara visita à nossa companhia (para jantar marisco, como noutro local dou conta), e teve o cuidado de se fazer acompanhar da corte, para uma sessão de bridge após o repasto.
Lembro-me que surgiu uma dúvida tremenda, sobre as honras militares que teriam que lhe ser prestadas à chegada, mas, como ele se apresentou pelas 17 horas, se resolveu o assunto arriando à pressa a bandeira, suspendendo, nos termos regulamentares as honras militares.
Não houve qualquer problema, pois o essencial (lagosta e bridge) estava assegurado.
Correu bem o jantar, e quando montaram a mesa para o bridge acerquei-me curioso, pois é jogo que também aprecio bastante, e conheço o essencial.
Quando percebeu que passara a haver na companhia um jogador que não tinha origem no seu aviário, o comandante rejubilou, despachou o alferes mais “nabo”, e enfrentou-me, ele fazendo par com o médico, eu com o capitão de Aldeia Viçosa.
Tudo correu bem, com altos e baixos, até que o médico se equivocou, e, tentando dizer-lhe que não tinha paus, disse, de facto, que estava forte em paus. O comandante entusiasmou-se e fez uma marcação ambiciosa. Quem tinha os paus era eu, e bastou-me dobrar para infligir ao comandante um castigo histórico que foi incapaz de recuperar.
E pronto, daí em diante, as solicitações para o bridge eram recorrentes.
Ainda fui uma ou duas vezes (sem conseguir repetir o brilharete) mas comecei a ficar incomodado com o meu pessoal. A jogatina durava até às tantas, e quando acabava, uma vintena de homens sonolentos acordava nas viaturas, para me levar em segurança nos 30 km até à cama.
Tudo estaria bem se, muitas vezes, eles não tivessem que sair na madrugada seguinte em actividade operacional. Privá-los de descanso para me divertir não cabia na minha consciência.
Comecei a reagir. Primeiro pedi que a escolta do bridge fosse incluída na actividade operacional do grupo, o que garantiria algum descanso – nada feito, era precisa alguma lata para oficializar tal coisa.
Depois mudei de estratégia:
De vez em quando lá vinha o Ferrer ou Barradas com um papelinho: “Labareda convida 08 Lopes – assunto bridge”, e lá saía com a resposta do costume “08 Lopes disponível, favor enviar escolta”.
Nunca caíu bem, fui inclusive ameaçado de procedimento disciplinar, mas era precisa ainda mais lata para o concretizar.
Havia uma forte contingentação, com uma pequena quantidade para a messe de oficiais, e cada oficial com direito a comprar apenas uma ou duas garrafas por mês.
Nunca houve grandes carências entre nós, pois só o capitão e eu bebíamos com regularidade, no meu caso sempre uma pequena quantidade de whisky para um copo cheio de soda (o que me terá valido escapar incólume à comum experiência do paludismo), o capitão um pouco (muito) menos diluído, mas sempre de molde a chegar para convidar quem nos visitasse, sem grandes restrições.
Era essa hospitalidade que o capitão esperava na sede do batalhão, e nunca encontrava. No bar, alinhavam-se as garrafas, propriedade individual de cada oficial, e nem eles se lembravam de convidar fosse quem fosse, nem os militares de serviço se atreviam a servir bebida particular sem ordem do dono.
Decidiu então o capitão, sempre que tinha de ir ao batalhão, levar a sua garrafa pessoal, que exibia ostensivamente no bar, tentando ofender alguém, sem sucesso, o que o irritava supinamente.
Resultava desse conflito uma política que restringia ao mínimo indispensável todos os nossos contactos com o comando.
Mas eu fui pessoalmente incitado a lá ir frequentemente, e tive alguma dificuldade em fugir algumas vezes. A história chama-se… “Bridge”.
O comandante de batalhão, então tenente-coronel Trindade Lima, era fanático desse excelente jogo de cartas, mas, para sua infelicidade, mais ninguém no batalhão sabia jogar.
Para poder fazer uma mesa, ensinou três oficiais – o capitão da Ccaç 3533, então em Aldeia Viçosa, e dois alferes, um deles médico.
Cheguei no MVL a Aldeia Viçosa e fui recolhido pelo nosso pessoal, rumando a Santa Isabel, onde, durante algumas semanas me fui integrando, sem qualquer contacto com as chefias superiores.
Um dia, o comandante anunciou uma rara visita à nossa companhia (para jantar marisco, como noutro local dou conta), e teve o cuidado de se fazer acompanhar da corte, para uma sessão de bridge após o repasto.
Lembro-me que surgiu uma dúvida tremenda, sobre as honras militares que teriam que lhe ser prestadas à chegada, mas, como ele se apresentou pelas 17 horas, se resolveu o assunto arriando à pressa a bandeira, suspendendo, nos termos regulamentares as honras militares.
Não houve qualquer problema, pois o essencial (lagosta e bridge) estava assegurado.
Correu bem o jantar, e quando montaram a mesa para o bridge acerquei-me curioso, pois é jogo que também aprecio bastante, e conheço o essencial.
Quando percebeu que passara a haver na companhia um jogador que não tinha origem no seu aviário, o comandante rejubilou, despachou o alferes mais “nabo”, e enfrentou-me, ele fazendo par com o médico, eu com o capitão de Aldeia Viçosa.
Tudo correu bem, com altos e baixos, até que o médico se equivocou, e, tentando dizer-lhe que não tinha paus, disse, de facto, que estava forte em paus. O comandante entusiasmou-se e fez uma marcação ambiciosa. Quem tinha os paus era eu, e bastou-me dobrar para infligir ao comandante um castigo histórico que foi incapaz de recuperar.
E pronto, daí em diante, as solicitações para o bridge eram recorrentes.
Ainda fui uma ou duas vezes (sem conseguir repetir o brilharete) mas comecei a ficar incomodado com o meu pessoal. A jogatina durava até às tantas, e quando acabava, uma vintena de homens sonolentos acordava nas viaturas, para me levar em segurança nos 30 km até à cama.
Tudo estaria bem se, muitas vezes, eles não tivessem que sair na madrugada seguinte em actividade operacional. Privá-los de descanso para me divertir não cabia na minha consciência.
Comecei a reagir. Primeiro pedi que a escolta do bridge fosse incluída na actividade operacional do grupo, o que garantiria algum descanso – nada feito, era precisa alguma lata para oficializar tal coisa.
Depois mudei de estratégia:
De vez em quando lá vinha o Ferrer ou Barradas com um papelinho: “Labareda convida 08 Lopes – assunto bridge”, e lá saía com a resposta do costume “08 Lopes disponível, favor enviar escolta”.
Nunca caíu bem, fui inclusive ameaçado de procedimento disciplinar, mas era precisa ainda mais lata para o concretizar.
Mas o comandante acabou por se vingar:
Já em Quiximba, chegou a hora de ir de férias. Estava marcada uma operação de dois dias, que ia entrar pelas minhas férias, pelo que fui dispensado, e autorizado a seguir no MVL um ou dois dias antes da entrada de férias. Vesti-me à civil, e segui no MVL para Ambrizete onde a bronca rebentou. Verificando que eu não iria com o grupo, o comandante não aceitou e arranjou maneira de me levar de volta ao Tomboco, de avião, para me juntar ao pessoal que recebera instruções para me levar farda e arma. Foi a primeira vez que quase enjoei num avião, pois o piloto tentou combater o meu mau humor divertindo-se a assustar pacaças com voos picados. |
E lá fui mais dois dias passear no mato, onde dormi ao relento, sem tenda, sem poncho, sem nada a não ser a minha irritação. Foi uma noite sem pregar olho, à beira do rio, sem nunca conseguir destrinçar se os roncos do ser que dormia ao meu lado, apenas separado por uma pequena ilhota, era um crocodilo ou hipopótamo.
Para primeiro dia de férias foi, de facto, inesquecível!
(Narrativa de Avelino Lopes)
Para primeiro dia de férias foi, de facto, inesquecível!
(Narrativa de Avelino Lopes)